Hollywood foi a responsável por desenvolver uma linguagem cinematográfica com um poder imenso de sedução e fascínio. O que todos ignoram é que aquela que ficou conhecida como grande fábrica de sonhos é, na verdade, uma perversa fábrica de frustrações.
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“No futuro, todos serão mundialmente famosos por quinze minutos.”
Essa frase, que apareceu pela primeira vez em 1968, no catálogo de uma exposição artística de Andy Warhol, diretor de cinema e um dos fundadores da arte pop, muito parece uma profecia do que viriam a ser os tempos correntes.
Numa época em que foram abandonados os ideais mais elevados e a mediocridade é incentivada e glamourizada, é natural que todos desejem ter sobre si os holofotes e os olhares do mundo, como grandes modelos de uma sociedade decadente.
Ainda que muitos digam que a frase não foi originalmente cunhada por Warhol, ela, em diversos sentidos, sintetiza toda a sua estética. Para ele, os critérios determinantes de valores e temas a serem apreciados pelas massas seriam, um dia, dissipados, de modo que todos poderiam gozar, ainda que brevemente, da fama, até aqueles que em nada fossem dignos dela.
Seja como for, encontramos aí uma previsão muito acertada da sociedade contemporânea, uma sociedade do espetáculo, na qual o valor de cada indivíduo é determinado pelo número de olhos voltados para si.
Hoje, muito culpamos o advento da internet e a massificação das redes sociais por essa espécie de anseio geral aos holofotes, que leva tantos a perseguirem o sonho de ser objeto de contemplação para os outros, e que produz estrelas — cujo brilho é vazio e efêmero — na mesma velocidade em que as devolve ao anonimato.
Mas a verdade é que esse fenômeno que vemos em curso só pôde tornar-se assim tão absoluto porque as pessoas e a sociedade já vinham, há muito, sendo preparadas para isso. E a sua origem pode ser encontrada um século atrás.
Logo após o advento da montagem cinematográfica, que permitiu a ligação de cenas e planos de gravação, não demorou para nascer, nos Estados Unidos, a tradição narrativa do cinema, a partir da qual, no início do século XX se desenvolveu a indústria hollywoodiana — a grande responsável por engendrar e perpetuar a cultura midiática do espetáculo.
Hollywood, que, desde os seus primórdios, recebeu o epíteto de a grande fábrica de sonhos, tão logo surgiu, conseguiu desenvolver em seus filmes uma linguagem com uma sofisticação tal que surpreendeu até seus próprios produtores, pois demonstrava, já de início, um imenso poder de sedução e fascínio sobre os espectadores, através de certos mecanismos psicológicos que ela mostrou-se capaz de colocar em ação.
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…é assim que Hollywood intensifica em sua plateia o desejo de contemplar e de ser quem não se é de fato.
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Um exemplo disso é o mecanismo de identificação do espectador com o protagonista, sobre o qual projeta seus desejos e angústias. Ou você nunca percebeu que, mesmo quando o protagonista de uma narrativa hollywoodiana apresenta características de uma imoralidade digna de um vilão, a tendência é que você se identifique com ele, torça por ele, sofra quando ele sofre, e se alegre quando se alegra?
Outro mecanismo que está em execução desde os primórdios de Hollywood se utiliza do seu estrategicamente concebido star system, que induz o público a idealizar a figura e a vida dos atores de cinema e seus personagens, elevando-os a ídolos que devem ser cultuados.
Agora, esses e outros artifícios só podem ser operados assim eficientemente graças à própria experiência cinematográfica, da qual a indústria soube bem como se aproveitar. Muitos dos grandes críticos ao modelo narrativo hollywoodiano já apontaram os perigos de se colocar o espectador em um sala onde a escuridão é quase total, com apenas uma pequena fonte de luz ao fundo que projeta imagens sobre uma superfície bidimensional, com a ilusão de movimento e de tridimensionalidade.
Vê-se aí uma situação muito propícia para que ele se desligue de si mesmo e se projete psiquicamente para a vida de um outro que observa na tela, passando, assim, a idealizar e fetichizar aquelas figuras.
Executando tais mecanismos ao longo do tempo, a fábrica de sonhos intensifica, com notável eficiência, em sua platéia o desejo de ver e de ser quem não se é de fato. Afinal, conforme se idealiza as grandes estrelas e seus personagens, não demora para que se comece a desejar ser como eles são: mais bonitos, felizes, realizados e perfeitos.
Assim, se constrói a sensação de que o mundo cinematográfico é melhor e mais sedutor do que a realidade; a realidade inferior ao cinema. A partir disso, nasce no espectador a frustração para com a sua experiência de vida verdadeira, porque vê nela todas as limitações, imperfeições, defeitos e frustrações que, durante aquele período em que está assistindo a um filme, observando seus objetos de desejo e idealização, imerso naquele mundo perfeito de fantasia, simplesmente não existem.
Não tarda, portanto, a surgir nele o anseio por tornar-se também um daqueles objetos de contemplação. Ele passa a querer se ver lá também, a fazer parte desse mundo aperfeiçoado da imagem, o mundo que não possui as imperfeições e insatisfações da sua própria vida.
Não é exatamente isso que observamos em nossa sociedade? Não vivemos nós numa cultura do espetáculo, em que vigora a idéia de que só é bom o que aparece, o que é objeto de olhares, e o que não é visto não tem valor?
Para o indivíduo cuja percepção foi moldada por esses mecanismos, se ele vive uma experiência real, mas em pleno anonimato, sem transformar pedaços dessa experiência em imagens que serão projetadas para a sua própria contemplação e para a contemplação dos outros, é como se isso não fosse tão real assim.
As coisas parecem ganhar o status de realidade nessa projeção imagética que é, na verdade, aquilo que drena toda a realidade delas, porque, afinal, como já se tornou imagem, não é mais realidade mesma, não é a vida.
Daí que a realidade seja a fonte de frustração para os viventes dessa sociedade.
Veja, nos primórdios do cinema, havia ainda uma fronteira muito clara e bem delineada entre o espetáculo, a representação, e a vida real. O entretenimento ocorria em intervalos delimitados da vida, cujo tecido ainda não estava tão permeado pela espetacularização. Sim, as pessoas iam ao cinema, passavam por aquela experiência de identificação e de projeção de si mesmas sobre os protagonistas, mas depois voltavam para a sua própria vida.
Acontece que a indústria hollywoodiana, ao criar o cinema do espetáculo, passou a se utilizar de suas narrativas para potencializar a artificialidade daquela experiência, tornando a fronteira entre a realidade e o espetáculo cada vez mais dissipada, e encerrando o público num mundo à parte, “aperfeiçoado”, que o distancia da contemplação da própria estrutura da realidade e provoca toda essa dissonância e frustração ante o real, que agora é rejeitado.
E é assim que a grande fábrica de sonhos, da qual pode-se dizer que surgiu aquele sonho generalizado pela fama e pela objetificação, fabrica quase nada além de ilusões e frustrações.
Por essa razão, nós, do Instituto Borborema, decidimos apresentar ao nosso público um cinema que em tudo se distancia da artificialidade e da ilusão hollywoodiana, e convidamos o professor Rômulo Cyríaco, que é teórico de cinema, para conduzir um evento online e gratuito com os professores Caio Perozzo e Maurício Machado.
O evento foi chamado Como entender cinema, e você pode saber mais sobre ele e participar gratuitamente, fazendo sua inscrição através do link: Como entender o Cinema.