Antes de comprar mais livros, encontre um professor

Existe uma ilusão de que uma montanha de livros e a sua leitura incontinente é suficiente para o desenvolvimento da inteligência. Acontece que, mais do que de livros, nós precisamos de um professor.


Nós já falamos tantas vezes em textos passados sobre a importância da literatura para o desenvolvimento da linguagem e da inteligência, que a um leitor mais alheio ao trabalho do Instituto Borborema, que não esteja tão familiarizado com a nossa proposta educacional, pode ter restado uma impressão falha acerca do assunto.

O sujeito pode acabar pensando:

“Se é assim, eu vou comprar o máximo de livros que o meu dinheiro permitir e que as minhas estantes puderem armazenar. Vou ler, ler e ler, até ficar inteligente.”

Somando a essa impressão a infestação de intelectuais nas redes sociais com suas paredes cheias de livros, as recomendações de leituras que fazem diariamente e uma espécie de fetiche literário que tem tomado cada vez mais pessoas nestes tempos, ele se vê justificado.

Daí, pode ser que logo esteja pedindo indicações de autores, gêneros, temas, dos mais variados e mais desconexos, montando listas, pesquisando técnicas de memorização… lendo tudo e acreditando estar tornando-se cada vez mais inteligente.

Não, não siga por esse caminho. Você pode acabar como apenas mais um no grupo dos “amantes de livros”, enganado pela ilusão de estar fazendo um bem tremendo à sua inteligência ao devorar, como um glutão, alimentos que sequer tem condições de digerir.

Precisamente a esse grupo o Padre Sertillanges já advertia, em seu A vida intelectual:

“O que proscrevo é a paixão de ler, a compulsão, a intoxicação pelo excesso de alimento espiritual, a preguiça disfarçada que prefere o convívio fácil ao esforço. 

A ‘paixão’ pela leitura, que muitos honram como uma preciosa qualidade intelectual, é, na verdade, uma tara. A leitura desordenada entorpece o espírito, não o alimenta, torna-o pouco a pouco incapaz de reflexão e concentração e, por conseguinte, de produção […].”

Essa ânsia pela leitura, se não é orientada, ordenada, se carece de um preparado e um guiamento adequado, de nada serve à inteligência, muito menos ao espírito. Na verdade, causa muito mais males do que o bem que se imagina.

Afinal, ainda que leia muito e prime pelos melhores escritos já produzidos pela humanidade, quem garante que você conseguirá decodificar adequadamente os termos e símbolos neles registrados? Quem garante que está suficientemente munido dos instrumentos essenciais para a plena compreensão do que lê?

Não fomos nós submetidos por anos a uma educação sócio-construtivista cujo maior mérito é o aleijamento da alma e das faculdades intelectivas?

Não deveríamos, portanto, considerar que também nós sofremos e carregamos os seus efeitos?

De que adiantam, então, as nossas montanhas de livros, se não buscarmos, antes de construí-las, curar nossa inteligência dessas feridas abertas e em decomposição, para que, enfim, consigamos escalá-las?

 


É imprescindível a presença de uma pessoa que faça uma mediação da nossa relação com o livro quando não sabemos ler adequadamente.


 

O título deste texto pode ter ecoado em sua mente como um mero clickbait, um artifício para forçar você a esta leitura. Mas o que buscávamos com ele era transmitir uma necessidade que é real para a maioria absoluta dos brasileiros que passaram pela educação vigente e que estão inseridos em nossa cultura.

Porque, sim, antes de comprar e ler mais livros, talvez você precise encontrar um professor.

Então, se você está lendo este texto ansioso para voltar à aba ao lado e fechar o carrinho da sua nova remessa de livros, espere um pouco. Primeiro, tente investigar se não é essa a sua situação.

Algum leitor pode argumentar que até o professor Olavo de Carvalho, ainda nas primeiras aulas do Curso Online de Filosofia, dizia que seus alunos tinham de construir uma vasta biblioteca e ler tudo o que pudessem ter acesso da literatura ficcional, do teatro grego etc.

Acontece que a sua exortação partia da consciência do poder que a literatura tem como instrumento para o aperfeiçoamento da linguagem, e também do que um livro representa na cultura, por não estar, ao menos o bom livro, adstrito às contingências do tempo.

Afinal, a habilidade de fugir da platitude, da literalidade da linguagem corrente ou do discurso político e ideológico é um dos meios mais essenciais que os artistas, por meio da literatura, têm para elevar a língua e a cultura até possibilidades de expressão que não poderiam ser alcançadas de outra forma.

Mas o mesmo Professor Olavo, anos mais tarde, reconheceu ter cometido um erro de cálculo, tendo julgado que seus alunos estariam em um nível superior àquele em que realmente se encontravam, ou seja, que eles ainda não teriam sido tão afetados pela deterioração cultural e educacional em curso há tantas décadas.

Nós já cansamos de falar e de ter experiências que comprovam, dia após dia, que as pessoas estão realmente incapacitadas para a leitura. Afinal de contas, são muitos e muitos anos de toda essa degradação.

Querendo ou não, toda a nossa cultura presente nos impõe uma série voraz e bárbara de dissonâncias cognitivas e de confusões simbólicas que nos deixaram completamente desorientados, pois a nossa linguagem foi anulada e, assim, a nossa inteligência foi deformada.

Não à toa, a Formação Clássica do IB trabalha especialmente sobre a nossa relação com a linguagem. E isso parte da consciência de que nós perdemos a noção do uso da linguagem, seja no dia a dia, nos seus contextos mais vulgares, seja no que se refere a ela em seu registro mais elevado e exigente, como encontramos na alta literatura.

Acontece que quando falamos sobre isso, alguns podem ver apenas um discurso retórico que visa a venda do que oferecemos. É como se estivéssemos tentando vender uma idéia infundada de que as pessoas têm um problema e que somos nós os possuidores da solução.

Mas, creia ou não, isso é uma descrição objetiva de um dado real, atual e imediato.

Como, numa situação como a nossa, depois de passar uma vida inteira tendo nossas potências mais singulares silenciadas, soterradas sob camadas e mais camadas de enganos e ilusões, nós seríamos capazes, por força própria, de preencher as lacunas da nossa inteligência, da nossa própria alma, e levá-las à plenitude?

Assim, como disse o Professor Caio Perozzo, na live Uma montanha de livros para alpinistas aleijados, como nós poderíamos escalar a montanha de livros e, de lá, contemplar tudo o que há embaixo e ver a vida humana desde um ponto de vista mais sublime e mais alto? Afinal, esses alpinistas são, de fato, aleijados.

Ainda que tenhamos os melhores livros, os melhores escritos e autores, quantos são os leitores capazes de ler efetivamente?

Por isso, dizemos que, não, não é possível desenvolver a inteligência e se educar por meio de livros. A educação depende — sempre e sempre — de um professor.

É imprescindível a presença de uma pessoa que faça uma mediação da nossa relação com o texto quando não sabemos ler adequadamente. E é dessa mediação que conseguiremos extrair os instrumentos para que depois, finalmente, consigamos fazer uma leitura autônoma.

De outro modo, a leitura de livros e obras da literatura será um alimento não para o desenvolvimento da inteligência, mas para a satisfação daquele fetiche que condenava Sertillanges.

O problema é que muitos são cegados por uma vaidade que não lhes permite reconhecer que não sabem ler devidamente e que precisam de alguém para ajudá-los.

Em relação a esses, resta-nos a esperança de que venham a ser libertados de sua cegueira. E isso confirma, mais uma vez, que o nosso trabalho e de alguns outros que seguem no cumprimento de igual missão precisa continuar. 

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