O mesmo meio de controle político que possibilitou a ascensão dos regimes políticos totalitários do passado vem sendo utilizado sistematicamente contra nós há várias décadas. E ele precisa ser ocultado para que permaneçamos a ignorá-lo.
Qual é o primeiro sinal de um regime totalitário?
Pense na palavra totalitarismo. Qual é o primeiro elemento que ela evoca na sua mente?
Talvez você pense nos ideais absurdos, na restrição absoluta de liberdades, no aparelhamento de mecanismos estatais, na perseguição a opositores, ou no uso excessivo de força, muitas vezes contra pessoas frágeis e indefesas…
Quando pensamos em modelos de poder total, como os surgidos no século XX, em geral, lembramos imediatamente de uma série de características como as mencionadas acima.
Acontece, e você há de concordar, que todas elas só podem ser praticadas uma vez que o poder tenha emergido e já esteja instalado.
Que sucesso teria um potencial ditador qualquer que, na posse de algum nível de poder e persuadido por sua própria ideologia, acordasse um dia com sede de sangue e de domínio e saísse de casa decidido, sem medidas prévias, a fazer absoluta a sua vontade e impor à força seus ideais, gritando palavras de ordem e sentenciando à forca qualquer opositor que encontrasse?
Ainda que fizesse algum estrago, esse seria rápido, insignificante. E o nosso pequeno ditador, como uma barata senil que se aproxima cambaleante de uma sola de sapato, seria logo esmagado, jogado ao lixo e imediatamente esquecido.
Veja Hitler, por exemplo. Quantos passos não foram dados até que os primeiros judeus fossem condenados aos campos? Quanto tempo não levou até que ele começasse a marchar sobre o mundo?
E olhe que incontáveis sinais foram dados a respeito do que estava sendo reservado para o futuro. Tanto que, quando refletimos sobre seus discursos e o conteúdo de suas palavras, percebemos como tudo era ridículo e absurdo. Hoje isso nos parece muito evidente.
Daí que nos perguntemos: Como tudo isso foi possível? Como tantas pessoas puderam ser persuadidas por suas idéias e palavras, quando o destino a que elas se encaminhavam parecia tão claro?
E mais: Como uma pessoa como Hitler conseguiu ascender ao poder e fazer tudo o que fez?
Há, então, algo que ignoramos. E, não se engane, isso não é à toa.
Afinal, aquilo que levou Hitler ao poder na Alemanha é o mesmo elemento que tornou possível a ascensão de todos os regimes totalitários de que temos memória — ao menos na história recente.
É também o mesmo modo e mesmo meio de controle político que, “coincidentemente”, é utilizado atualmente, num totalitarismo contemporâneo, do qual nós somos as vítimas.
E esse elemento precisa ser ocultado. Por isso, somos programaticamente levados a ignorá-lo para que acreditemos que o problema era, por exemplo, a pessoa de Hitler…
…e não algo muito mais profundo, que o precedeu.
Aí é que encontraremos a resposta para a pergunta que abriu este artigo: Qual é o primeiro sinal de um regime totalitário?
O sujeito instrumental e ideal de todo totalitarismo é a massa emburrecida, incapaz de julgar os fatos de acordo com a realidade e que, em razão disso, é facilmente persuadida e manipulada por qualquer indivíduo que lhe seja intelectualmente superior.
No último texto que publicamos, abrimos e encerramos com uma pergunta ainda não respondida.
Vimos que há um elemento que necessariamente antecede e possibilita a ascensão de um regime totalitário e que, por isso mesmo, é muito anterior a qualquer manifestação ostensiva de todo e qualquer poder total.
Esse foi o mesmo elemento que limpou a terra para que Hitler pudesse semeá-la com suas idéias e, ao ascender ao poder, fazer sua colheita a custo de tanto sangue quanto lhe tenha sido possível.
E é também, como discutimos, o mesmo meio de controle político que vem sendo utilizado sistematicamente contra nós há pelo menos algumas décadas e que, por essa razão, precisa ser ocultado para que permaneçamos a ignorá-lo, como um demônio que deve pronunciar seu nome antes que se possa exorcizá-lo.
A pergunta era a seguinte: Qual é o primeiro sinal de um regime totalitário?
E, já que o título deste texto não deixa mistérios, a resposta deve já ser evidente ao leitor: a burrice.
Todo totalitarismo é precedido pelo fenômeno da estupidez, pela corrupção da inteligência.
A burrice programada é o elemento que invariavelmente abre as portas para o que Hannah Arendt chamava de banalidade do mal, cuja principal marca distintiva, segundo ela, é a irreflexão, isto é, a incapacidade de pensar.
(Hannah Arendt)
Daí que ela tenha dito, em seu livro As Origens do Totalitarismo, que:
“O sujeito ideal do regime totalitário não é o nazista convicto ou o comunista convicto, mas pessoas para as quais a distinção entre fato e ficção (isto é, a realidade da experiência) e a distinção entre o verdadeiro e o falso (isto é, os padrões do pensamento) não existem mais”.
Ou seja, o sujeito ideal de todo totalitarismo é a massa emburrecida, incapaz de julgar os fatos de acordo com a realidade e que, em razão disso, é facilmente persuadida e manipulada por qualquer indivíduo que lhe seja intelectualmente superior.
Por isso, Eric Voegelin, em suas Reflexões Autobiográficas, disse que “A miséria intelectual tornou possível a ascensão de Hitler, um sujeito grotesco e desprovido de brilho intelectual”.
(Eric Voegelin)
Hitler, como todo líder totalitário, só pôde ser elevado ao seu posto, sendo capaz de mover um número imenso de fanáticos, porque aquela população foi, antes, submetida a um processo de profunda degradação intelectual, tornando-se completamente alienada da realidade.
No momento em que as pessoas tornam-se estúpidas, elas já não são capazes de julgar mais nada na realidade que lhes circunda e, não conseguindo julgar, tornam-se facilmente controláveis e manipuláveis.
Não foi precisamente isso que testemunhamos na nossa própria situação de poder total, ao qual fomos submetidos mais ostensivamente em 2020?
Afinal, a receita para o sucesso de todo tipo de totalitarismo foi criada muito antes de Hitler. E ela não parou na Alemanha, mas continua a ser utilizada de maneira ininterrupta.
E continuará sendo até que, como o demônio que citamos, seja percebido, tenha seu nome abertamente revelado e passe a ser ativamente combatido.
Pois, como também disse Voegelin, “a destruição intelectual na Alemanha em geral e das universidades em particular, é fruto da destruição que pôs Hitler no poder”.
E mais: “O processo ainda está em curso e não é possível entrever o seu fim”.
Talvez, portanto, o fenômeno da estupidez seja o fato político-social mais importante da sociedade moderna. Pois, da burrice, nós sempre chegaremos ao totalitarismo, como um caminho inevitável.