Sufocando-se programaticamente a inteligência, domina-se o homem como a um animal adestrado. Mas como fazê-lo?
Você deve lembrar que recentemente conversamos em alguns textos passados a respeito do uso da burrice como instrumento de controle político.
Como dissemos, a carência intelectual retira das pessoas a capacidade de julgar os fatos e as circunstâncias de acordo com a realidade, de modo que se tornam facilmente manipuláveis.
Daí que todo totalitarismo seja precedido invariavelmente de um processo de emburrecimento programado. Mas há um detalhe do qual não tratamos.
Aristóteles dizia que o homem é um animal racional. Isso quer dizer que a marca distintivamente humana, aquilo que de fato o diferencia dos outros animais, é precisamente a sua razão. O que significa que, sufocando a inteligência, pode-se dominar o homem, adestrá-lo, como a um animal doméstico.
Mas se a razão é uma capacidade naturalmente humana, e é mais elevada entre todas as outras, então deve haver um chamado na alma de cada homem para a inteligência.
Então, como impedir que o homem venha a desenvolver essa capacidade? Como silenciar esse chamado, que sequer vem de fora, mas de dentro dele?
Pois, perceba, uma coisa é tornar o homem burro, e outra é fazer com que ele permaneça na burrice. Portanto, não basta apenas “retirar” o conhecimento do homem, por exemplo, com uma proposta educacional que não lhe eduque. É preciso impedir que ele deseje conhecer.
E como fazê-lo?
Ora, se a inteligência é o que há de mais superior no ser humano, para impedir que ele se eleve para alcançá-la, deve-se, então, aprisioná-lo no que é inferior.
Josef Pieper, escolástico do século XX, diz algo a respeito desse assunto que pode nos ajudar a encontrar as respostas que estamos buscando aqui:
“Um homem imprudente deseja acima de tudo algo para si mesmo, é distraído por um interesse subjetivo. Seu desejo de prazer constantemente tensionado evita que confronte a realidade com aquele desapego altruísta que unicamente torna o conhecimento possível.
[…]
Num coração imprudente, a atenção não está apenas fixada em um certo caminho, pois a janela da alma perdeu sua transparência, isto é, sua capacidade de perceber a existência, como se o interesse egoísta a tivesse encoberto, por assim dizer, com uma película de poeira.”
(Josef Pieper)
Para que o homem torne-se incapaz de confrontar-se com a realidade, o que lhe permitiria encontrar o conhecimento, é preciso transformá-lo no homem imprudente de Josef Pieper: preso em si mesmo, escravizado pelo desejo de prazer.
Veja que ele está estabelecendo uma analogia na qual o intelecto se assemelha a um vidro ou espelho manchado, e a película de poeira corresponde às paixões.
Se um homem é dominado por suas paixões, pelo prazer incessante, o seu intelecto está sujo, de modo que a luz — a luz da Verdade, do conhecimento — seja impedida de penetrar livremente.
Assim, ele torna-se incapaz de enxergar com clareza e desenvolver aquilo que propriamente chamamos de conhecimento e sabedoria.
Daí que, na educação moderna, as pessoas sejam não apenas emburrecidas programaticamente, mas, ao mesmo tempo, iniciadas num culto religioso às paixões, sendo induzidas a abraçar todo tipo de perversão passional.
Desse modo, todos os elementos essenciais à receptividade do conhecimento deixam de existir; aquele chamado à inteligência é silenciado.
E o homem, em vez de utilizar o intelecto como receptáculo da Verdade, o transforma no serviçal das suas paixões e torna-se escravo daqueles que as controlam.