Tem se tornado grande o número de pais que estão decidindo educar seus filhos sem recorrer à literatura pagã. Ainda que movidos por boas intenções, o caminho que estão escolhendo reserva mais perigos do que parece.
Nos últimos tempos, uma preocupação tem ganhado lugar em diversos lares católicos.
Em um mundo onde imperam a desordem, o pecado, a insanidade e a banalização total de tudo o que nos faz humanos, é natural que pais de família, em cujas almas resta ainda alguma consciência, desejem usar todos os meios ao seu alcance para preservar as almas que lhes foram confiadas da completa desumanização
Cientes da deformação promovida pelo sistema formal de educação, muitos têm dado cada vez mais atenção ao conteúdo oferecido aos seus filhos e, por causa disso, buscado instrumentos melhores e mais adequados, segundo seus próprios critérios, para atender às necessidades formativas — intelectuais, morais e espirituais — das crianças.
Felizmente, não são poucos aqueles que começam a entender realmente a importância e o devido lugar da literatura no processo pedagógico.
Mas, ao mesmo tempo, também é grande o número daqueles que, movidos por uma insegurança bastante compreensível, temendo expor os filhos a grandes riscos morais, estão optando por impedir que tenham contato com textos clássicos pagãos e tomando um caminho que, a princípio, parece seguro e imaculado, mas que, na realidade, guarda muitos perigos.
Alguns pensam:
“O mundo já está todo paganizado; a vida já está repleta de males. Por que forçar meu filho a beber dessa fonte envenenada e ser por ela contaminado? Não. Ele precisa conhecer o bem, a perfeição, para que nunca seja corrompido.”
E ainda:
“Os clássicos, os textos pagãos, serviam para educar pagãos. Antes da Revelação, isso era tudo o que tinham. Mas nós… nós somos católicos. Não precisamos dos seus escritos, das suas epopéias, que são repletas de imoralidades, culto a deuses pagãos e glorificação de atos pecaminosos como virtudes, para o letramento dos nossos filhos, quando temos os salmos; para a formação moral, quando temos a vida dos santos e o Evangelho.”
Não se pode negar que são movidos por uma boa e bela intenção.
Mas acontece que há aí muitas confusões; e, enquanto imaginam fazer um grande bem e preservar as almas e as consciências de suas crianças, estão, na verdade, promovendo incontáveis prejuízos para a vida que elas terão no futuro.
Antes que algum leitor se escandalize, queremos deixar claro que não estamos dizendo que ele não deve apresentar a vida dos santos ou as Sagradas Escrituras ao seu filho. Afinal, somos católicos, e isso, esperamos, já diz tudo.
Estamos dizendo, isso sim, que há um lugar devido para cada coisa. E a literatura universal tem um lugar que nem mesmo os salmos, a vida dos santos ou o próprio Evangelho podem ocupar.
Sim, nos textos pagãos e seculares o mal aparece e, por vezes, subjuga o bem, heróis sofrem derrotas arrasadoras e vilões cometem injustiças. E também assim não é a vida?
Na boa literatura, o mal aparece para que o bem seja revelado; há queda para que haja a possibilidade de redenção; há desordem para que se manifestem as virtudes; pecado para que se conheça a graça.
Veja o que falam, inclusive, os Padres da Igreja. O próprio São Basílio de Cesareia, o primeiro autor de um tratado sobre o Espírito Santo, ainda no Século IV, dedicou-se a escrever um tratado sobre a importância da literatura pagã na vida dos jovens.
Naquela época, os textos clássicos já sofriam inúmeras críticas, e ele, sabendo da sua importância para a formação intelectual e moral, ensinou, nas suas Cartas aos jovens sobre a utilidade da literatura pagã, como deles fazer bom proveito, encontrando, inclusive, conexões muito profundas entre os escritos pagãos e a doutrina cristã.
Ao privar uma criança disso, você não está preservando a sua alma do mal. Afinal, o mal existe, e ela há de se deparar com ele um dia.
Você está, na verdade, não só tirando dela a chance de ler e conhecer textos de altíssima qualidade, mas privando-a de conhecer toda a complexidade da realidade, da vida, e para ela amadurecer e preparar-se. E é seu dever prepará-la.
O caráter é formado no turbilhão do mundo, já dizia Goethe.
Por mais que você tente, seu filho não viverá em uma redoma imaculada. Ele não chegará intocado à velhice.
Provavelmente, ele não sairá da sua casa direto para um mosteiro. E mesmo que isso aconteça, ainda que escolha o melhor e mais santo mosteiro, lá ele encontrará monges bons e maus, santos e pecadores: como ele agirá diante de um e de outro?
Como dizíamos, é seu dever prepará-lo. Você precisa oferecer a ele todo o material possível para que possa, um dia, fazer o seu próprio julgamento de tudo o que verá na realidade. E para isso, a literatura clássica, pagã e universal, está repleta de exemplos.
Ela dá os melhores instrumentos para que desenvolvamos uma forma própria de enxergar a realidade, julgá-la, agir diante dela. E não só isso: é por meio da literatura que o jovem aprenderá a se expressar, de maneira consciente, pessoal e individual, de criar um discurso próprio e, ao fazê-lo, desenvolver uma personalidade própria.
Excluindo a literatura da vida do seu filho, você só conseguirá que ele seja despersonalizado.
Não é porque você oferece apenas uma visão de mundo, ainda que seja a mais pura, aos seus, que há a garantia de que permanecerão nela por toda a vida. Afinal, a vida não é assim; a realidade não é assim. Ela é muito mais complexa.
E é precisamente disso que trata a literatura: da realidade.
E ninguém pode ser isolado da realidade. Mais cedo ou mais tarde, ela cairá sobre todos, com toda a sua força.
Portanto, sim, você deve ensinar os valores cristãos. Isso é perfeitamente correto e adequado.
Mas você não pode diminuir ou limitar a imaginação dos seus filhos. Você precisa, permitir que tenham acesso e conheçam outras possibilidades de vida (com bom senso, claro, afinal de contas, não podemos fornecer materiais imorais ou pecaminosos aos nossos filhos).
Quanto mais eles lerem, quanto mais conhecerem, melhor poderão julgar e tomar decisões acertadas sempre que disso precisarem.
Agora, há, sim, que se ter cuidado quanto ao que se oferece de conteúdo literário nas diferentes fases do desenvolvimento formativo da criança. Mas desse assunto trataremos em um outro texto no futuro.